sábado, 6 de dezembro de 2008

Lua estrela, estrela


Nesta cidade, parece, tenho todos os sentidos nos olhos. Onde vou, ando a ver: um lado, o outro, os detalhes. Acostumei a deslumbrar: há beleza no caos, há perfeição na estética do paradoxo. E eu, ébria, sou platéia.

Dia desses vi o céu à noite. Aqui já me encantei com o amanhecer e o entardecer, olhando o céu. Mas essa cidade, como outras tantas, à noite apaga as estrelas. É bem veradade que aqui, pelo menos, encontro-as aos montes subindo as encostas, espalhadas no negro dos morros adormecidos: chão de estrelas. Mas no céu não. Raro. E nesse dia, mesmo à noite, mesmo às nuvens, vi: lua, estrela, estrela. Mais uma visão de encantamento.

Era como um sorriso, só que ao contrário. O arco da lua sorria, mas as duas estrelas teimaram com a satisfação lunar e postaram-se logo abaixo. Eram olhos tristes. Contraste, paradoxo, como tudo aqui, belo.

Nesta cidade, parece, tenho nos olhos também todos os sentimentos. E meus olhos seguiram fixos no céu enquanto durou o trajeto.

A lua, as estrelas e o embate entre a tristeza e a alegria postaram-se à minha direita sobre a Penha, a Maré e toda aquela profusão complexa que se espalha por ali, rodeada e talvez protegida pelo paredão dos morros, quase um forte, o Cristo à sentinela. Daquele forte só se via o delineio negro no negro do céu ao fundo.

Nas curvas da Perimetral, por um momento, aquela inusitada conjunção astral migrou para minha esquerda e refletiu nas águas do porto. Mudou de lado de novo sobre a Saúde, o Centro do Rio. Por ali, os prédios se colocaram entre mim e os astros. Escondiam antes, sempre, as estrelas - aí a Lua sorria. Quando os sobrados e edifícios descobriam aquelas estrelas, olhos tristes, a expressão de novo endurecia. Terna, ainda.

Encobre e descobre, alegria e tristeza. Era um movimento quase ritmado que parecia ecoar em mim - porque de fato, ali, meus sentimentos eram também uma profusão complexa, o retrato do paradoxo. Eu, tão caótica, e talvez tão bela, quanto o meu lugar de estar; as estrelas, meus olhos tristes; e meu sorriso como aquele risco de lua, nascente, minguante.

Como por brincadeira resolvi encobrir as estrelas com uma das mãos, para ver só o sorriso da lua. Sorri então intencionalmente (talvez escondendo algo em mim). E o carro seguiu pela decadência imponente da Glória, pelos vestígios do burburinho do Catete. Aí já eram árvores que escondiam as estrelas. Quando as palmeiras encobriram até a lua, me despedi.


Postcriptum
– No dia seguinte descobri, no jornal, que aquele era um fenômeno astronômico bastante raro: uma certa conjunção entre Vênus e Júpiter, em alinhamento com a Lua, que pôde ser vista somente aquela noite em várias partes do mundo. Só ocorre de novo em 2052. A foto eu achei na Internet (sinal que mais gente se encantou, como eu). E num blog (esqueci de anotar o endereço), achei uma explicação ainda mais interessante (e impactante pra mim), que reproduzo:

Para os tupis-guaranis, a Lua (Jaxi), principal regente da vida marinha, é do sexo masculino e irmão do Sol.

Os Tupis-guaranis chamam o planeta Vênus, quando aparece como estrela vespertina, de “Mulher da Lua”, muito linda, vaidosa e que nunca envelhece. Vênus só permanece ao lado da Lua, seu marido, enquanto ele é jovem, afastando-se conforme ele envelhece.

Uma outra versão da lenda diz que, um dia, a Lua encantou-se com Júpiter e abandonou Vênus. Mas Júpiter seguiu seu caminho e Vênus não voltou para a Lua, que ficou sozinha.